Fausto Macieira faz reflexão sobre as leis arcaicas que regem o trânsito brasileiro e a consequente necessidade de conscientização dos motociclistas
Fausto Macieira é repórter do SporTV e colunista de Duas Rodas
Estamos em uma segunda-feira qualquer, dia de respirar fundo para
encarar uma semana inteira de luta pela sobrevivência. E como
inevitavelmente acontece, as redes sociais dão conta dos acidentes,
muitos deles fatais. Como diz o jornalista Chico Pinheiro, coragem,
vamos à luta! Além da tristeza em si, a repercussão das notícias ruins
vai longe e restringe bastante o crescimento do motociclismo. O bardo
Belchior cantava nos anos 1970, antes de ser abduzido, que há perigo na
esquina desde a época dos nossos pais, mas as motos esportivas atuais
multiplicam esse risco, com motores velocíssimos que passam dos 150
km/h, em 1ª marcha...
Outro dia coloquei uma câmera no meu capacete e gravei o percurso do
trabalho até em casa. Quando fomos revisar, meus colegas ficaram
impressionados com a quantidade de manobras defensivas e desvios que eu e
qualquer motociclista realizamos nos simples deslocamentos cotidianos,
até me achei um pouco imprudente. A ideia que originou essa gravação é
dar algumas dicas básicas de pilotagem segura depois que perdemos o
segundo colega da SporTV em acidente de moto, sem contar os vários
feridos em tombos e incidentes nas ruas. Por conta disso, promovemos um
minicurso de pilotagem defensiva com a ajuda do CETH – Centro
Educacional de Trânsito Honda que foi um sucesso. Mas as armadilhas
urbanas são muitas e cada vez maiores.
O tráfego nas cidades anda caótico, o transporte público é falho e a
população sofre. A moto é uma ótima alternativa, mas sacumé, perfeição
não existe, uma chuva de vez em quando e um tombo de quando em vez são
contratempos que sempre estarão no horizonte dos motociclistas. As
probabilidades de acidente não se relacionam com o tamanho da moto, ao
contrário, em geral uma moto mais potente possui freios melhores,
respostas mais rápidas em ultrapassagens, iluminação mais efetiva e por
aí vai. Porém, o condutor tem que saber usar isso com sensatez, e essa é
a parte mais difícil.
Nossa legislação é arcaica e cheia de aberrações: no exame de
habilitação, nas exigências para conduzir veículos e por aí vai. Outro
dia emparelhei com um cidadão de capacete “coquinho”, sunga, sem camisa e
com as sandálias penduradas nos espelhos da moto. Não aguentei e
comentei: “ow rapaz, você é casca-grossa mesmo, não acha perigoso e
desconfortável (calor de 40°C) pilotar descalço?” O camarada olhou para
mim e riu. “Acho, mas descalço eu não levo multa e de sandália sim”. E
não é que o cabeça dura tinha razão?
O inciso III do artigo 54 do Código de Trânsito Brasileiro (lei
9503/97) estabelece que “Os condutores de motocicletas, motonetas e
ciclomotores só poderão circular nas vias usando vestuário de proteção,
de acordo com as especificações do Contran”. Mas o Contran não
regulamentou até a presente data, quase 18 anos depois de a lei entrar
em vigor, o que entende por “vestuário de proteção”. E como ninguém pode
ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sem que uma lei a
imponha, pilotar descalço e sem camisa não é uma conduta que pode ser
punida (aplica-se também aos motoristas de automóveis).
Ou seja, você pode circular com qualquer moto, seja uma minimalista
Honda Pop, uma Yamaha R1 superesportiva ou uma monumental
Harley-Davidson Electra Glide usando sunga (para não ultrajar o pudor
público, artigo 233 do Código Penal) e capacete, este sim definido como
item obrigatório. Haja anjo da guarda...