Com fabricação em série para motocicletas interrompida no final do
século passado – escrito assim até parece que faz muito tempo -, os
motores 2T (dois tempos) ainda povoam o imaginário de muita gente. Essa
interrupção aconteceu na maioria dos países que adotaram as regras de
controle de emissão de gases na atmosfera por veículos equipados com
motores a combustão interna e deixou saudosos muitos motociclistas que
viveram os tempos áureos das Yamaha RD 350, Suzuki GT 750 entre outras
motos menos famosas, mas não menos importantes no cenário nacional e
internacional.
Note que usamos a palavra “interrompida” e não “extinta” quando nos
referimos à produção desses motores. É porque ainda há produção em
muitos lugares, sobretudo para motos de competição. Algumas fábricas
seguem pesquisando e desenvolvendo tecnologia para motores 2T, como a
austríaca KTM, que ainda utiliza motores 2T em várias de suas motos para
enduro e motocross. Outro aspecto importante a ser destacado é que essa
interrupção se deve exclusivamente por questões ambientais.
No Brasil havia até uma certa competição entre as marcas que se
tornaram famosas pelo tipo de motor que utilizavam em suas motos. Era o
caso da Yamaha e Suzuki, que tinham seus principais produtos equipados
com esse tipo de motor, enquanto que a Honda só utilizava motores 4T nas
suas motos. Ficou até um certo estigma nas marcas que demorou para ser
vencido, tal era a associação que os consumidores faziam do tipo de
motor com a marca da moto. Não era assim tão raro ouvir motociclistas
dizendo que não compravam Yamaha porque usava motores 2T, mesmo olhando
para um XT 600, por exemplo.
Eram motores robustos e muito fortes, superando em muito os motores
de 4T (quatro tempos) quando comparados em motos de cilindradas
equivalentes. Só exemplificando: uma Honda CB 350 tinha como velocidade
final algo em torno de 155 km/h, enquanto a Yamaha RD 350 (Viúva Negra)
chegava facilmente acima de 200 km/h. Quando comparadas em termos de
arrancada, aí era até covardia, a RD pulava muitos metros à frente em
segundos. A arrancada da RD 350 era superior até da Honda CB 750, a
famosa Sete Galo, só sendo superada quando ambas já estavam acima dos
120 km/h, momento em que a Honda a ultrapassava e chegava antes aos 200
km/h.
Veja neste vídeo o que acontece quando uma moto de 150cc 2T enfrenta motos de 250cc 4T:
As tecnologias 2T e 4T são totalmente diferentes e usam peças também
diferentes. As semelhanças se resumem ao formato do motor e a utilização
de pistão, vela e virabrequim. Vamos ver abaixo as características
particulares de cada um:
Motor Dois Tempos
O Motor de dois tempos é um tipo de motor de combustão interna de
mecanismo simples. Ou seja, ocorre um ciclo de admissão, compressão,
expansão e exaustão de gases a cada volta do virabrequim.
Diferente dos motores de quatro tempos, as etapas de funcionamento não
ocorrem de forma bem demarcada, havendo admissão e exaustão de gases
simultaneamente.
A cada volta completa do virabrequim ocorre o ciclo completo
do percurso do ponto morto inferior (o ponto mais baixo atingido pelo
pistão) ao ponto morto superior do pistão (o ponto mais alto atingido
pelo pistão).
Chama-se primeiro tempo o processo de admissão e compressão, quando o pistão sobe.
O segundo tempo ocorre quando o pistão desce após a explosão do combustível, liberando os gases queimados para eliminação pelo escapamento.
Na subida o pistão suga a mistura ar-combustível do carburador para o
cárter do motor, e logo em seguida, no movimento de descida do pistão,
faz com que os gases sejam transferidos do cárter para a câmara de
combustão, onde a vela incendeia o combustível forçando o pistão para
baixo, gerando força e dando continuidade ao movimento de rotação do
virabrequim. Ao mesmo tempo, na descida, o pistão abre a porta de
exaustão, que elimina os gases queimados através do escapamento.
Ao subir, o pistão reinicia esse processo contínuo, como pode ser
observado na animação acima. No motor dois tempos não há sistema de
válvulas pois essa função é exercida pelo próprio pistão do motor.
Nessas motos não era o óleo do motor que lubrificava os anéis dos
pistões e sim o óleo específico para motores 2T misturado à gasolina que
cumpria essa função. Em algumas motos a mistura do óleo na gasolina era
feita no tanque de combustível mas as motos mais modernas tinham
dispositivos automáticos (autolub e lubrimatic) que faziam a mistura
correta antes da gasolina ser enviada para a câmara de combustão.
A grande desvantagem do motor 2T era a necessidade de manutenções
mais frequentes. A cada 10 ou 15 mil km era necessário abrir o cabeçote
(coisa simples pela ausência do sistema de válvulas – era apenas uma
tampa com um buraco para a vela) para remover a carbonização deixada
pelo óleo 2T na cabeça do pistão e nos orifícios de admissão e exaustão,
processo que demorava menos de meia hora e podia ser feito em casa
até por quem não entendia nada de mecânica.
Motor Quatro Tempos
Já nos motores quatro tempos as etapas são claramente definidas:
Admissão: neste momento o pistão está descendo e a
válvula de admissão está aberta, liberando a entrada de combustível na
câmara de combustão, aspirado pelo pistão.
Compressão: quanto o pistão torna a subir, ambas as válvulas estão fechadas, ocorrendo a compressão dos gases.
Combustão: na sequência ocorre a explosão do
combustível, provocada pela centelha da vela de ignição. A explosão
força a descida do pistão, mantendo o movimento rotacional do
virabrequim.
Exaustão: na fase final do processo o pistão sobe
enquanto a válvula de exaustão se abre, permitindo que os gases sejam
eliminados através do escapamento. Com o movimento de descida do pistão o
processo é reiniciado de forma contínua – vide animação.
Resumindo, no motor 4T há 50% de perda no movimento do pistão pois
nas fases de admissão e exaustão o virabrequim é que empurra a biela e o
pistão, sem geração de força, pelo contrário, o pistão é movimentado
pela força rotacional do virabrequim, fazendo com que haja apenas uma
explosão em cada duas viagens do pistão.
No motor 2T a explosão do combustível ocorre toda vez que o pistão
chega à parte superior do seu percurso, evitando assim perdas de
potência. Por causa disso a entrega de potência é estúpida e
instantânea, sem limitação de giros do motor.
MOTORES
4 TEMPOS |
QUESITO |
2 TEMPOS |
A cada DUAS voltas do virabrequim | Explosão do combustível | A cada UMA volta do virabrequim |
Mais pesado, para compensar o movimento do pistão quando não há explosão na câmara de combustão | Peso do volante do motor | Como há explosão cada vez que o pistão chega ao ponto morto superior, o volante do motor é pequeno e leve |
Pesado e grande, devido ao maior número de peças, exigindo maior espaço e reforço no chassi | Peso e tamanho do motor | Leve e pequeno, devido ao número reduzido de peças |
Projeto mais complicado pela existência do comando de válvulas | Projeto do motor | Projeto mais simples. Número reduzido de peças móveis |
Caro | Custo de fabricação | Barato |
Menor, devido à maior quantidade de peças móveis | Eficiência mecânica | Maior devido ao pequeno número de peças móveis o atrito é menor |
Mais frio | Temperatura de trabalho | Mais quente |
Normalmente é refrigerado a água | Refrigeração | Normalmente é refrigerado a ar |
Mais econômico | Consumo de combustível | Menos econômico |
Complicado | Sistema de lubrificação | Simples |
Menor | Emissão de ruido | Maior |
Através de válvulas de admissão e escape | Alimentação e exaustão | Através de portas de admissão e escape |
Maior | Eficiência térmica | Menor |
Baixo | Consumo de óleo lubrificante | Alto |
Menor | Desgaste de peças móveis | Maior |
Baixo | Emissão de poluentes | Alto |
Se tenho saudades daquelas máquinas 2T? Tenho sim, muitas saudades!
Mário Sérgio Figueredo 14/08/ 2016
Motociclista apaixonado por motos há
42 anos, começou a escrever sobre motos como hobby em um blog para
tentar transmitir à nova geração a experiência acumulada durante esses
tantos anos. Sua primeira moto foi a primeira fabricada no Brasil, a
Yamaha RD 50.
Fonte: www.motonline.com.br