Viajante que em 2002 veio do Japão ao Brasil de moto, decide fazer o caminho inverso
Texto e fotos: Sérgio Mahoe
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Sou mais um daqueles milhares de brasileiros neto de japoneses que no
início dos anos 1990 deixou o Brasil em busca de um futuro melhor.
Cheguei ao Japão com o objetivo de ganhar dinheiro rápido e depois de um
ano retornar ao Brasil de moto. Mas o sonho caiu no esquecimento por
causa da dificuldade de juntar dinheiro e também porque o país acabou me
deixando acomodado. Acostumei-me à vida naquele país, até que resolvi
fundar minha própria empresa. Certo dia, olhando fotos antigas encontrei
uma de uma viagem de motocicleta para o Nordeste brasileiro, e foi
então que ressurgiu a vontade de me aventurar pelo mundo.
Só faltava o dinheiro. Havia investido todas as minhas economias na
empresa e fracassado. Tudo teria que depender de patrocínio e
colaborações. Depois de anos de muita persistência e dedicação ao
projeto, consegui apoiadores e enviei uma Yamaha XT 600E para Kuala
Lumpur, na Malásia. Enquanto o mundo todo estava ligado no pontapé
inicial da Copa do Mundo do Japão, em 31 de maio de 2002, eu estava
ligando a moto para dar início a uma aventura que duraria sete meses e
meio até chegar a São Paulo, passando por 28 países, depois de ter
percorrido 44.000 km.
Eu me sentia realizado por concretizar o sonho de viajar de moto pelo
mundo, mas ainda queria mais. Durante 12 anos, bem quietinho, fiquei
ensaiando mais uma aventura de moto pelo mundo. Desta vez, do Brasil
para o Japão, durante a Copa do Mundo de 2014, com a mesma moto que usei
em 2002. Um mês antes da partida, tudo estava pronto. Faltava só mais
uma coisa importante e um pouco difícil de fazer: avisar meus
familiares. Chegou o dia da partida e na hora da despedida lá estava meu
pai chamando todos que estavam por perto para tirar uma foto. Para mim
foi muito especial.
Primeira perna
Caí na estrada e na Bolívia encontrei o primeiro grande obstáculo. Na
pequena Challapata, parei para abastecer e um caminhão derrubou minha
moto. Aparentemente havia entortado apenas o suporte da mala lateral. No
dia seguinte, parei para tirar uma foto e percebi que o baú traseiro
não estava na moto. A trava havia quebrado naquela batida. Ali estavam
todos os meus documentos. Voltei procurando às margens da rodovia. Não
teve jeito. Voei para o Brasil, providenciei os documentos e voltei à
Bolívia quase um mês depois. Peguei minha moto e segui em frente.
Passei por lugares históricos como Machu Picchu, no Peru, até chegar em
Cartagena da Índias, Norte da Colômbia, onde começou outro desafio. A
rodovia que liga Sul e Norte é interrompida no trecho de fronteira entre
Colômbia e Panamá. Existe ali uma vasta região de floresta dominada
pelas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia),
impossibilitando a passagem pela fronteira terrestre. O exército
colombiano orientava sobre a presença dos guerrilheiros ao longo da
estrada. Embarquei a moto num contêiner e voei para o Panamá. Passei por
todos os pequenos países da América Central sem problemas, cruzei o
México de Sul a Norte até chegar à cidade de Tijuana, na fronteira com
os Estados Unidos. De lá voei para Tóquio, no Japão, onde dei início aos
preparativos para mais uma etapa de aventura, que começará em agosto na
Rússia.
Foram quase 20.000 km pelo continente americano em quase três meses de
muitos imprevistos, frio, sofrimento por causa da altitude nas altas
montanhas dos Andes e também de muita alegria, comida gostosa e bastante
emoção. Quando dei conta, havia percorrido 62.000 km em mais de 40
países com a velha XT 600E, fabricada em 1997, que agora vai descansar.
Vou percorrer os 60.000 km até São Paulo com uma Super Ténéré 1200.
A dificuldade para esta etapa será a África. A travessia do deserto do
Saara será um grande desafio, mas outros problemas maiores são
esperados, como o surto de ebola que atinge aquela região. Mas, na
esperança de que a Medicina buscará uma breve solução para o problema,
continuo me preparando para enfrentar mais uma aventura na minha vida.
Fonte: www.revistaduasrodas.com.br