De passagem pelo Brasil, ucraniana que está percorrendo o mundo conta como deixou a vida que tinha para trás, suas alegrias e dificuldades na estrada
Em 2005, quando eu tinha 25 anos, descobri um novo mundo com as viagens
de moto. Acredito que quando descobrimos o que nos motiva sem seguir
estereótipos de como devemos ser para conseguir aprovação dos outros
fica mais fácil seguir seu coração e seus sonhos. Eu tinha minha
carreira profissional, mas sabia que já não me fazia feliz. Eu era feliz
quando saía para minhas viagens, não importava se eram curtas ou
longas. Então, quando surgiu a ideia de viajar ao redor do mundo fui
obstinada para conseguir viabilizá-la, mesmo sem ter certeza se eu teria
coragem suficiente, especialmente sem apoio financeiro. Decidi tentar.
Comecei a andar de moto sem muita ajuda, aprendendo na moto-escola
mesmo, e depois comprando a pequena Kawasaki Eliminator 125 que me levou
pelas primeiras viagens dentro da Ucrânia. Ela foi furtada da garagem
de casa com um ano de uso, então comprei a Kawasaki Vulcan 900 que
durante sete anos me levou por muitas viagens fora do país, no Leste
Europeu pelos países da ex-União Soviética e na Ásia e no Oriente Médio
por Síria, Jordão, Líbano e Índia. Às vezes em grupo, às vezes sozinha
como descobri que prefiro para me sentir mais livre.
Precisei de um ano e três meses para preparar esta viagem por todos os
continentes, e até agora não posso dizer que consigo prever tudo. Uma
das primeiras preocupações foi conseguir uma moto mais apropriada do que
Vulcan, mas na época eu não poderia pagar por uma, então busquei apoio
das fabricantes supondo que uma mulher se propondo a atravessar o mundo
sozinha os interessaria, e realmente interessou, mas ninguém queria
assumir o risco. Já estava me sentindo desencorajada quando comecei a
conversar com o revendedor KTM na Ucrânia, que pediu apoio à matriz na
Áustria e conseguiu uma 1190 Adventure após meses de negociações. Foi a
primeira vitória da futura viagem.
Outra grande preocupação (que ainda existe) foi o dinheiro para as
despesas. Tentei patrocínios e consegui alguns, que foram consumidos nos
preparativos. Parti no dia 27 de julho de 2013 com uns mil dólares no
bolso, e não me orgulho disso nem quero encorajar pessoas a fazerem o
mesmo. Durante o começo da viagem não falava que tinha pouco dinheiro
para as pessoas e decidi que iria até onde fosse possível. De alguma
maneira as coisas começaram a acontecer e o apoio aparece para me ajudar
a continuar na estrada depois de três anos.
Dois anos não bastam
Minha ideia era visitar todos os continentes, exceto a Antártida,
conhecendo os lugares mais icônicos de cada um e de seus países.
Pesquisei roteiros de outros viajantes, chequei condições climáticas,
dicas de segurança, mas quando se viaja por tanto tempo fica quase
impossível seguir o plano feito no começo. Você acaba sendo flexível e
se adaptando às situações, acontece de ter planejado ficar algumas
semanas em um país e passarem meses. Os motivos podem ser diferentes:
problemas com documentos, questões de saúde, dificuldades financeiras ou
simplesmente a vontade de ficar mais. As pessoas também recomendam
lugares que acabam se mostrando maravilhosos, é inevitável não se
desviar um pouco aqui e ali. Não quero me estressar com a obrigação de
seguir uma agenda pré-estabelecida, às vezes sei que é preciso, mas
tento aproveitar minha liberdade.
Os desafios são muitos, o clima pode ficar desagradável, as estradas
mais difíceis do que imaginava, vistos que demoram... Com o tempo
aprendi a estar sempre alerta e não me estressar muito com as
dificuldades, focar em resolver os problemas e entender que não há o que
não possa ser resolvido. Posso dizer que dois desafios foram os maiores
da viagem até agora, o primeiro o financeiro de partir com dinheiro que
só bastaria para as despesas no primeiro país, e é realmente
desgastante nunca ter o suficiente para o resto do roteiro até o retorno
à Ucrânia; e o segundo o desafio emocional de viajar tanto tempo sem
voltar para casa, você começa a sentir falta de lá ou da estabilidade,
fica cansada física e psicologicamente com mais facilidade, precisa de
mais tempo para se recompor e recarregar as baterias para continuar.
Depois de viajar e ver tanto fica difícil mensurar coisas em termos de
maior, melhor, favorito. Os lugares são diferentes e se tornam especiais
por razões variadas, mas recomendo e posso dizer que gosto muito de
Ásia, Austrália, Estados Unidos e América do Sul. Aproveito países de
cultura rica, especialmente indígenas como o Peru, que foi importante
para mim por causa da impressão que Machu Picchu causou, era um sonho de
infância poder estar lá. A comunidade dos Uros vivendo sobre “ilhas”
flutuantes que constroem no Lago Titicaca também me impressionou, eles
têm escola, igreja e até hotel, só vão à cidade buscar alguma comida ou
vender objetos que produzem. Para mim o mais importante da viagem é
estar com as pessoas, assim entendo como é a vida real nos países que
visito e esses lugares se tornam divertidos – por causa das conexões
criadas com as pessoas. A viagem tem um componente social importante que
carrego desde quando vivia na Ucrânia. Lá comecei um projeto batizado
de MotoSave com outros motociclistas para visitar regularmente
orfanatos, cultivar amizades e servir de inspiração para as crianças.
Tento fazer o mesmo nos países por onde passo visitando orfanatos,
escolas e asilos, motivando pessoas e deixando a mensagem de que devemos
perseguir nossos sonhos.
Meu plano inicial era viajar por dois anos, mas desde que comecei
percebi que seria impossível cobrir o mundo nesse período do jeito como
faço. Não me importo só em percorrer quilômetros, e sim em conhecer
pessoas, sentir a atmosfera dos lugares e ser parte da comunidade por um
tempo. A esta altura não tenho mais uma data para terminar, estou
apenas seguindo, assumi como meu estilo de vida e sou feliz com isso.
Ainda não sei quando voltarei à Ucrânia porque tenho pela frente África e
Europa, talvez continue depois, então acho que pelo menos mais dois
anos ainda tenho pela frente. Agora penso em tentar um recorde no
Guinness como a viagem de moto mais longa de uma mulher. E acredito que
no futuro não conseguirei me estabelecer por um longo tempo, imagino
minha vida em mudança constante, de lugares, encontros com pessoas e
culturas. Espero que essa visão se realize, assim como essa viagem pelo
mundo!
Por Anna Grechishkina fotos Fernando Barros e arquivo pessoal
Fonte: www.revistaduasrodas.com.br